débora lopes não só voltou mal-ajambrada para os anos 90, como panicou

Débora Lopes
5 min readDec 16, 2019

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naquele dia eu resolvi meter um batom vermelho só pra afastar a ziquizira que estava no ar. e nem assim, lutando bravamente com as roupas e armas de jorge, me dei bem. pra começar porque me vesti inapropriadamente para a ocasião –– mas dei match com a temperatura, ok. e, depois, porque algo ou alguém me deixava extremamente desconfortável e eu não queria acreditar que estava falhando na missão "corpo fechado". mas estava. outro ponto negativo era o fato de estar com fome demais. fui logo avançando na comida que encontrei na festa. e aí pequei. fiz merda. fiz uma grande merda.

alguns minutos depois, vi um amigo absolutamente transtornado. estranhei, não entendi, mas dei uma risadinha enquanto segurava no ar minha taça de mimosa. eu amo esse nome "mimosa". quando estava em nova york, um amigo peruano me convidou para almoçar no bronx e pedi uma mimosa. gostei de falar mimosa em inglês. mas agora já me arrependi de escrever isso pois você que me lê pode achar que sou uma patricinha branca deslumbrada que viaja para nova york com o dinheiro dos pais. então, caso tenha pensado isso, pau no seu cu. (risos?)

eis que a festa rolava e eu segurava minha taça, dando risadinhas e levando aquele papinho furado com as pessoas. meu amigo continuava transtornado. e eu pensava: deus me livre ficar estragada assim, logo hoje que passei um reboco fudido na cara, meu batom vermelho, meu terninho azul marinho de brechó (que, na verdade, era da mãe da minha amiga letícia).

em dado momento, aquela situação passou a me intrigar mais do que devia. fiquei incomodada. meu amigo não era um idiota. eu sequer tinha visto ele bêbaço ou passando esse recibão em festas e bares. achei estranho. e perguntei o que era. quando ouvi a resposta, gelei. minha mão começou a suar, me desesperei e xinguei. eu queria matar alguém. como fizeram isso com ele? botei a taça no chão, as mãos na cabeça e fui para o banheiro.

eu estava desesperada por um motivo digno: aquilo que estava acontecendo com o meu amigo iria começar a acontecer comigo em alguns minutos.

ajoelhei no banheiro de paredes azuis e encarei a água da privada como se expelir o meu âmago fosse uma missão de vida ou morte. meti o dedo na goela e nada. sempre fui boa em conseguir vomitar de bêbada enfiando o dedo na garganta, mas eu não estava bêbada. o vômito não vinha. eu estava sóbria. muito sóbria.

quando levantei da privada, totalmente derrotada, li algo escrito na parede. era apocalíptico, muito ruim. o foda é que, neste exato minuto, não consigo me lembrar da frase. mas na hora foi ruim.

pedi para me acompanharem até a rua, eu precisava comer algo. dei alguns passos e me deparei com uma pizzaria. lansa a braba e manda uma pizza inteira de mussarela, moço. e então comecei a sentir. parecia que eu estava navegando pra dentro de mim, e um terror foi tomando conta do meu corpo, mas principalmente da minha mente. bando de filho da puta. festa do caralho.

quando voltei para a festa com a pizza, eu já estava em outra dimensão. e eu não queria estar em outra dimensão. eu queria estar tomando minha terceira mimosa, fumando meu sexto cigarro e mantendo papos bostas e minimamente divertidos.

comecei, então, a comer a pizza, na esperança de aplacar a sensação que me acometia. a cada segundo com mais horror e estranhamento.

então passei a tremer e tremer. era hora de ir embora e, quem sabe, tentar desaparecer pela cidade, sumir de mim, daquilo que tava acontecendo.

chamei um táxi, me despedi dos meus amigos com tristeza e pavor — já que eu me sentia mais louca que o bozo andando pela paim com uma nota de 20 no bolso depois das cinco da manhã.

no táxi, resolvi aceitar uma bala na esperança de que o açúcar me ajudasse a voltar. e era tudo estranho. a cada gole de saliva doce de cereja que eu dava, me sentia pior, desajeitada, desajustada no mundo, pequena demais ou grande demais, alice de tudo, que inferno.

de dentro do táxi, olhando os carros andando normalmente pela nove de julho, eu me maravilhava com aquilo. e voltei pros anos 90. voltei pros carros velhos do meu pai, ouvindo hits da alpha fm, sentadinha no banco de trás, muito comportada, bem feinha, porém um anjo de deus na terra, observando tudo e achando o mundo louco e curioso. foi aí que me perguntei: caralho, quem inventou as placas de trânsito? elas são geniais. quem teve essa baita ideia de colocar os nomes das ruas e avenidas? e os semáforos? e a faixa de pedestre, então?, que bagulho mais organizado, civilizado. de repente, todos os carros e faróis traseiros, aquelas cores vermelhas, tudo, as placas, a vida, era tudo anos 90. voltamos pros anos 90. e meu pai pilotava o carro. e eu no banco de trás. eu pensava: foi deus quem inventou as placas de trânsito? foi deus? o grande arquiteto da vida. deus. quanto poder deus tem. e meu corpo foi ficando macio. mas o horror continuava.

cheguei em casa e fui logo tirando a roupa e botando meu pijama. me ajambrei diante do espelho do banheiro e comecei a tirar a maquiagem. os pensamentos não paravam: débora, então essa é você. sem maquiagem. você usa maquiagem para parecer alguém que não é. essa maquiagem é uma máscara. do que você se esconde, débora?

me sentia um palhaço triste no camarim. filho da puta da cabeça. hoje é engraçado. no dia foi uma morte lenta e dolorosa. então precisei me deitar.

deitei e dormi. pesado. no outro dia, acordei e estava tudo muito macio e gostoso. todo o pânico tinha ido embora. acordei feliz até. com uma sensação de relaxamento total. mas ainda puta. ainda indignada.

nunca comam um brigadeiro numa festa de qualquer pessoa com mais de 20 anos. ou comam. vocês são livres.

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