dois drinques, ziquizira e uma mosca varejeira

Débora Lopes
2 min readOct 26, 2021

vou escrever esta frase em vermelho e dourado: você cagou o rolê.

me desculpe não ter a finesse de uma das francesas que vi em paris. juro por deus, eu andava por aquela cidade e todas as mulheres com quem eu cruzava tinham um quê de perfeição, uma coisa de fêmea bem resolvida pois já nasceu linda, o cabelo castanho, um mocassim de couro (matar bicho pra fazer sapato, deus me livre). mas pode ser também que eu estivesse chapada de europa. aquela sensação extremamente vira-lata. por isso, muito provavelmente tudo estava distorcido diante dos meus olhos zonalésticos (pobrezinha da brasileira, tão terceiromundinha).

bom. você fudeu tudo.

porque eu só queria tocar no seu cabelo, te comprar um abajur vintage na loja de antiguidades, te dar um incenso natural de alecrim, eucalipto e arruda pra tirar sua urucubaca, apesar de a urucubaca ser inerente a você — você nasceu urucubado, só pode ser. sua mãe mesmo me confessou outro dia: "fumei na gravidez". eu não julgo. sou fascinada por cigarros. é capaz de me encontrarem pelas esquinas de são paulo com um cigarro filado na mão dizendo "eu parei de fumar faz um ano". parei mesmo. mas quando estou perto de alguém que pratica esse saudável esporte, aproveito o ensejo. sou cara de pau. vivo sem medo. diferente de você. sou como uma cobra com a barriga cheia de ratos. mas, olha, o cigarro pode ter te trazido essa energia ruim, suspeito eu, porque você tem o espírito meio fraco.

bom, depende. sua mãe disse também que sentiu vontade de abacate na gravidez e seu pai não foi buscar. eu acredito. sua cabeça tem um formato ovalado. tem seu charme.

mas é o que eu disse em vermelho e dourado: você não soube aproveitar boas oportunidades da vida. uma pena.

perdeu aquele emprego de assistente administrativo em uma imobiliária que ficava na rua barão de limeira, 76, cujo dono chamava orlando, eu lembro. era 1978, estávamos cansados de algumas coisas, mas ainda bem que eu tinha sempre meu lenço de estimação amarrado no pescoço. desde os anos 70 vestida com as roupas e as armas de jorge.

queria ter dirigido um fusca.

pra algumas coisas ainda temos tempo, mas você precisa parar de estragar tudo.

sei que a urucubaca te atrapalha, mas, pelo amor de deus, começa logo a reorganizar sua vida. faz assim: acorda mais cedo, tenta fazer umas 20 flexões ouvindo joão gilberto, para de comer tanto pão e me beija logo.

vamos casar, compra um fusca, ter sete filhos, largar tudo.

quem nasceu pra ser mosquito de banana jamais será mosca varejeira.

lava o rosto, abre teu olho, eu te amo, adeus.

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

Débora Lopes
Débora Lopes

No responses yet

Write a response