eu não morri

quando quis ou quando achei que ia. eu não morri quando minha melhor amiga me esperou entrar no banho para chupar o meu namorado na cama em que eu e ele estávamos dormindo durante uma viagem para uma cidade fria. havíamos acabado de chegar de um estábulo. lembro de ter dedicado aqueles minutos embaixo da água corrente a pensar nos cavalos. em como eles eram bonitos.
eu também não morri quando, anos depois, tive de ameaçar processá-la por assédio moral caso ela continuasse me enviando e-mails. a gota d'água foi abrir meu e-mail do trabalho e ver aquele nome e sobrenome me incomodando com palavras rasas até mesmo ali.
e não morri quando meu irmão foi diagnosticado com câncer. não morri quando tive de trabalhar como se tudo estivesse bem enquanto esperava 10 longas horas de cirurgia até descobrir que ele estava vivo e forte. caí no chão de tanto chorar, mas, morrer, não morri.
as pessoas costumam morrer bastante. dizem, inclusive, que morrer é a única certeza que temos desde o nascimento.
em outra ocasião, achei que ia morrer, mas não morri. era uma terça-feira ensolarada de julho e eu estava ouvindo marília mendonça na sacada do meu antigo prédio enquanto chorava copiosamente depois de um pé na bunda — ele disse que eu era "intensa demais". até hoje vomito essa expressão nos meus pesadelos. óbvio que sou intensa demais. eu sempre fui um vulcão. mas ainda não morri.