kátia patrícia fala sobre amor e as vacas não saem da minha cabeça

a despeito de seus honrados e enxutos 1,56m, kátia patrícia possui longas unhas de gel, fala guarani, espanhol, português e arranha umas expressões em inglês, como “thank you, darling” ou “here’s your change, darling”. já foi prostituta, mas desde que sua filha mabel nasceu, passou a trabalhar como manicure. sempre gostou de fazer as próprias unhas e, na época em que morava numa pensão com outras trabalhadoras sexuais paraguaias, levantava uma grana extra fazendo mão e pé das meninas. reclamou que minhas unhas estavam desleixadas. “é que estou aqui a trabalho, não tem dado tempo”, justifiquei. ela então sacou uma lixa do bolso, pegou minha mão direita e dale, mandou ver ali na calçada mesmo. kátia patrícia me contou que estava apaixonada, mas que o cara era um "flojo".
suavemente começamos a falar sobre homens, romance e erros do passado. em algum momento, ela se sentiu à vontade para destrinchar melhor a história.
certa noite, usava um vestido vermelho muito colado ao corpo e estava sem calcinha, pronta para atender um novo cliente. foi aí que conheceu alberto, sua mais recente paixão. KP mascava chiclete e fumava um cigarro “tipo vogue”. eu achei essa referência bonitinha, mas, por algum motivo, estava emocionalmente durona esse dia, então mantive a expressão de total concentração na história que ela me contava. quando entrou no carro de alberto, sentiu algo muito forte, que, segundo sua vó, uma indígena guarani, era o próprio nhanderu (deus) mandando o sinal divino de que sua metade da laranja estava ali. kátia patrícia me disse, então, que fez o melhor sexo de sua vida e ainda foi paga para isso. “mas não estou romantizando a profissão porque ser puta é uma merda”, apontou, não com essas palavras, pois eu jamais me lembraria de algo tão pontual. foi aquela noite. foi o ar daquela noite. o motel daquela noite. o vestido vermelho daquela noite. o clima de asunción naquela noite. o cheiro do pescoço do alberto naquela noite.
e, enquanto eu olhava aquela pessoa baixinha de cabelos pretos e lisos lixando minhas unhas, lembrei de ter passado longas horas na estrada pela manhã observando que as vacas, mesmo quando a chuva vem, não saem do pasto. inclusive, algumas continuam deitadas no mato com cara de “tô na chuva, sim, e você que é feio?” isso não tinha absolutamente nada a ver com o que kátia patrícia me contava, eu sabia, mas as vacas não saíam da minha cabeça. ela perguntou se eu estava bem e eu respondi com uma pergunta:
– posso acender um cigarro?
– claro, estamos na rua, KP rebateu, os olhos ainda muito focados nas minhas unhas.
– por que alberto é frouxo?
– porque ele é casado.
quis contar pra ela, então, de uma paixão recente minha. porque qualquer amor é grande amor. qualquer paixão é grande paixão. já tive amores que duraram uma década e já tive amores que duraram um mês. todos foram importantes.
– olha só, ele tinha nome de integrante da família real, era um sujeito inteligente, mas não que fóssemos um match completo, assim, eu não diria que a gente ouve as mesmas bandas, eu não diria que a gente daria certo olhando pro teto durante duas horas depois de transar, sabe, eu não consegui conhecê-lo muito bem, mas fiquei arrebatada, foi um bagulho bem doido mesmo, na real, ele me atiçou sexualmente e tenho muito problema com isso, com gente que me atiça sexualmente e não faz o que promete. a verdade é que eu não sei no que teria dado, eu nunca pude tirar a dúvida da cabeça. daria em nada? muito provavelmente daria em nada. eu sou a rainha do fogo de palha. mas sabe, assim como eu gosto muito do fato do quarto do meu hotel ter um cheiro desgraçado de amaciante e de lavanderia, eu gostaria muito, muito mesmo que ele, sei lá, tivesse tido a coragem de me encontrar pra gente tomar uma pinga e falar merda sobre a vida, só pra que eu pudesse olhar no olho dele de novo, ainda que duzentos e vinte e nove por centro constrangida, sei lá, ver o pau dele de novo, só pra ver, eu nem precisaria tocar, só ver, não sei. é difícil explicar.
– ele é frouxo?, KP me perguntou, tão básica, como se eu não tivesse sido completamente maluca no meu desabafo.
– ele tem alguém.
– frouxo, ela respondeu. homem forte nem se envolve com outra mulher se já tem alguém.
ela que disse.
alberto foi frouxo com kátia patrícia não porque era casado, mas porque dois meses depois de se tornar um cliente fixo, conseguiu destruir as emoções dela. "ele simplesmente parou de me escrever. certa noite, vi que ele estava fazendo programa com uma puta amiga minha. não fico brava por isso, fico brava porque ele disse que estava apaixonado, que estava confuso sobre o próprio casamento depois de ter me conhecido. eu criei expectativa. o problema foi ele me incentivar a criar esperança", contou, mais ou menos com essas palavras.
kátia patrícia era um nome que só fazia sentido na minha cabeça depois de ter ido ao barrio karen luana, na cidade de salto del guairá.
eu estava muito cansada ouvindo o que ela dizia. meus olhos estavam pesados, eu precisava dormir. ela terminou de lixar as minhas unhas. agradeci. não posso dizer que não fiquei com aquela história de desamor na cabeça, mas voltei caminhando pro hotel e não conseguia parar de pensar nas vacas. vacas de pé, vacas deitadas. o olhar sereno das vacas. toda vaca tem olhar sereno. por que as vacas não saem do pasto mesmo quando chove?