lindas fraquejadas de sucesso

passei a tarde toda olhando o luminoso trêmulo, rosa e azul, como se dele fosse sair a sua voz ou um cigarro sabor babalu banana. tocava wicked game num boteco ali perto, a máscara sufocava, eu, aturdida pela sensação de mergulhar numa piscina de concreto, num turbilhão de coisas pra fazer, no meio do caos que criei, entre muitos prazos impossíveis de cumprir, artigos que não escrevi, bilhetes, boletos.
eu estou cansada. exausta. minha alma nunca teve esse sabor de mar cinzento dos infernos.
e nos dias mais treta – chris isaak se esgoela agora, nooo I don't wanna fall in love –, tudo que eu preciso é encostar a cabeça no seu peito e ouvir o som do mar vindo bonito do seu tórax, num movimento cadenciado de vai e vem – você está vivo agora, eu posso ouvir.
queria estar em coney island agora. de noite agora. sentir seu cheiro agora. queria o mundo agora. queria te ver sorrir agora, mostrar toda minha devoção, a rigorosidade com que amo. queria você agora, queria ontem, quero te ligar agora, interromper sua aula agora, dizer que eu te amo agora, vamos fazer um filho agora, vamos deixar tudo em são paulo e ir embora agora.
continuo olhando o luminoso. a música ainda caminha pelo ar do boteco até mim. não tenho chicletes, não tenho cigarros, meu cabelo está sujo, minha vida está revirada, mas minha jaqueta é bonita.
vou te ligar agora. estou sem fichas de orelhão. estou sem tempo para cumprir os prazos, a burocracia da vida, eu não aguento mais nada, essa piscina me puxa pra baixo, eu nado pra cima, sou um peixe esperto, mas zé povinho torce, torce hoje e torce mais, eu sou um touro agora, ninguém me derruba agora. paro de lutar. estou lutando sozinha. não quero vencer, mas também não posso perder.
o luminoso rosa e azul não treme mais. a música continua vindo do bar até mim: "nobody loves no one".
eu te amo agora. eu recrudesço agora.