o c* do tiago leifert

com a finesse de um tiranossauro rex e nenhuma cerimônia para assuntos tórridos. sem nem saber a diferença entre agreste e sertão, quiçá grandeza vetorial e escalar. era assim que aquele comportamento de motorista que fica taxiando pelas avenidas largas com um calibre .32 no porta-luvas me prendia.
–– hoje eu não posso jantar com você porque é aniversário da minha filha mais nova. infelizmente eu já bebi um pouco. não comprei nada pra ela e pensei em dar meu revólver. você acha que ela vai gostar?
–– acho, respondi entediada enquanto pintava as unhas dos pés e pensava em qual sabor de pizza pedir.
o silêncio não era incomum na minha casa porque o único a fazer barulho era ele. geralmente com perguntas para as quais eu não tinha resposta ou tinha de pensar muito pra responder. outro dia me peguei anotando as melhores.
- você preferiria ser o cu ou o pinto do tiago leifert?
- você preferiria ser um grão de areia ou uma pedra? você já pensou que se fosse um grão de areia muitas bundas iriam sentar em você? o lado bom é que o grão de areia se locomove e pode ir para muitos lugares.
então, enquanto pensava na diversidade de bundas que sentariam em mim, ouvi meu estômago roncar e liguei na pizzaria. enquanto isso, andando com cuidado para não borrar o esmalte, fui até a geladeira caçar alguma coisa (que não estivesse podre) para comer. vi uma berinjela (podre), um pote de azeitonas aberto (que estava lá desde maio de 1988, provavelmente), um saco de pão de forma integral cheio daquelas bostas de grãos (mas só a última fatia, que, por acaso, chamamos de bunda), um pote de requeijão azedo e uma garrafa de gin pela metade. peguei o gin não só porque estava triste, mas porque achei que ficaria bonito fotografar minhas unhas dos pés com esmalte fresco e o gin aberto. dei um gole, quase morri, voltei a garrafa na geladeira e fui pra janela odiar são paulo.
o telefone tocou e era a pizzaria dizendo que o motoboy se acidentou e que outro cara iria fazer a entrega, mas que eu precisaria esperar cerca de 40 minutos.
–– sei lá. tá.
o telefone tocou de novo e era ele.
–– pensei melhor e acho que o revólver não é boa ideia porque ela tá fazendo só três anos. onde eu compro um cachorro a essa hora? pensei num porte médio, um cachorro que se dê bem com crianças, que não morda ou que não morda demais, enfim, um cachorro que seja um companheiro. quero que ela cresça com ele, que ela seja uma companhia para quando eu estiver trabalhando e não puder estar em casa. minha mulher não gosta de cachorro. pode ser que fique brava comigo porque sou muito bom em fazer merda. o que você vai jantar?
–– dá o revólver.
–– você não ouviu o que eu falei? pensei num cachorro.
–– dá o revólver, insisti. queria saber até onde a burrice dele ia.
–– você acha que ela vai gostar mais do revólver?
–– acho.
quando a pizza chegou eu estava no nível "enjoo" da fome, quando sua barriga já doeu, inchou e cansou de esperar. dei duas mordidas numa fatia, tampei a caixa de papelão e liguei a TV para ver mulheres desesperadas por atenção que colocaram gordura da barriga na bunda num programa de fofocas de quinta categoria. fiquei olhando pra cara do apresentador e aquilo piorou o meu enjoo. vomitei nos meus pés.
enquanto eu abria o chuveiro, o telefone tocou de novo. eu nem cogitei falar alô.
–– você sabia que algumas mulheres tiram gordura da barriga e colocam na bunda?
ele desligou na minha cara.
enquanto eu lavava os meus pés cheios de vômito amarelo e não pensava em nada, a luz do apartamento acabou. a água ficou gelada. me sequei em silêncio e deitei na cama. eu escolheria ser o pinto do tiago leifert.