o que roqueiros feios podem nos ensinar

Débora Lopes
4 min readNov 8, 2022

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foto: lucas ramos/ brazil news

festivais de música podem ser legais se você consentir ser praticamente assaltada ao fazer uma refeição porcaria básica, como pagar 26 reais num hot dog, e seguir a vida normalmente. digo isso porque no último fim de semana fui ao primeiro dia do primavera sound e trago aqui muitas considerações.

  • ver o interpol ao vivo é como receber uma brisa gelada de rock sombrio e oceânico no rosto. paul banks, o vocalista, apresentou um corte de cabelo impecável, apesar de parecer estar com a calça social meio mal passada. algo totalmente tolerável. o que importa é que o show foi absolutamente lindo.
  • achei curioso que o telão de transmissão do interpol era preto e branco. fiquei pensando se a banda pediu isso ou se o cara que pegou o job foi pesquisar os discos e pensou "esses manos são meio obscuros, vamos jogar um PBZÃO DAS MASSAS aqui".
  • muita gente reclamou que botaram o interpol num palco menor que o principal e cheio de árvore. num outro show nesse mesmo palco eu cheguei a ver, sei lá, uma criança de 13 anos trepada na árvore. melhore, primavera sound!!!!!
  • duas pessoas desmaiaram ao meu lado em momentos distintos. quando isso acontecia, todo mundo começava a gritar "bombeiro! bombeiro!". depois de uma dessas ocasiões me deparei com um primo meu que disse: "te encontrei porque te ouvi gritar 'bombeiro!'.
  • a senhoura björk exibiu um comunicado no telão pedindo pra ninguém fotografar ou filmar o show. eu só vi isso depois, mas não fiquei chocada. tem dias que eu fico nesse mesmo mood, björk. a diferença é que eu não sou genial nem rica. eu só quero agir como uma ermitã na minha caverna. a pandemia tem me proporcionado isso. daqui a pouco completam-se três anos.
  • o show da minha islandesa favorita foi bem bonito. ela estava com uma orquestra brasileira foda, toda paramentada na vestimenta — pique aquele meme lindinhas e esquisitas. eu senti falta de uns hits e da parte eletrônica. meu amigo anderson neco disse que björk não tem hits. prendam anderson neco.
  • nos últimos dias voltou aquela friaca insana pra são paulo. eu logo levei um jaco peludão pra me proteger, mas chegando lá vi ALTAS GALERA sem a menor noção da realidade. umas fia vestida de jade picon com saia curta e cropped de poliéster. uns mano de bermuda e camiseta. a energia do jovem é mesmo linda, mas não é contagiante, visto que sou uma idosa e se fosse pra passar frio eu nem ia.
  • apesar da quantidade considerável de cerveja que eu bebi, fui poucas vezes ao banheiro e as filas estavam ok — pensando nos padrões de festivais. tinha um papo de água filtrada de graça, mas tudo que encontrei foi um bebedouro mirrado cheio de adesivo do patrocinador no fim do evento. enchi meu copo pacientemente esperando as três gotas que caíam da torneira.
  • agora vamos para minha parte favorita e nessa, talvez, eu me prolongue mais. quando o arctic monkeys surgiu eu lembro de ter criado logo de cara um ranço, porque, apesar de ingleses, eu achava que eles copiavam ou queriam ser os strokes. naquela época, eu já tinha visto show dos strokes (o primeiro deles no brasil, em 2005, se não me engano) e gostava bastante da banda. daí fiquei com essa impressão ruim. considerando que o primeiro disco do arctic monkeys saiu em 2006, essa história tem 16 anos. mas, enfim, a cada disco que o arctic monkeys lançava eu acabava ouvindo eventualmente e pegava um ou outro hit na rádio. nada demais. no primavera, minha amiga queria muito ver o show e eu também. imaginei que mesmo não gostando da banda, seria um puta show.
  • eu achava o rock deles meio vampiresco, não sei, não me conquistava. e quando o show começou foi tipo chiclete de bola, explosão de sabores. eu manjava I bet you look good on the dancefloor, dancing shoes (nessa eu sempre pirei), fluorescent adolescent, enfim, mas o setlist de uma hora e meia passeou por várias fases. os caras chegam muito confiantes no palco, figurino de classe, som organizado, timbres firmes. as pessoas cantavam tudo. fiquei encantada.
  • do meio pro final do show eu já tava até meio crusheada no alex turner, que sempre achei feioso. mas o cara tem charme. tateava o paletó pra achar nos bolsos os óculos escuros, que ele botava e tirava o tempo todo; pegava o microfone naquele roberto carlos romantic style e cantava com paixão: "don't get emotional, that ain't like you..."
  • terminei a noite pensando: o alex turner é o galã feio que o rock precisa.

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