não foi na urca

Débora Lopes
2 min readSep 26, 2019

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http://urca70.blogspot.com/2007/07/turma-da-fazenda-da-grama.html

o silêncio me incomodava enquanto o garçom não vinha – e sei que estavam nos maltratando porque o lugar estava prestes a fechar. foi a primeira vez que tive (não) certeza (mas quase). ele usava uma camisa listrada nova e eu estava triste na cidade que amo. era um rio de janeiro de céu acinzentando e tempo chuvoso. meus biquinis mofando na mala.

pedi um drink a contragosto, não queria beber. ele pediu uma cerveja e continuou em silêncio. um silêncio que me matava devagar, que me dava vontade de gritar atrocidades por aí. um silêncio que me incomodava e feria, como se eu tivesse feito algo de errado. e eu fiz. exatamente no dia em que topei a loucura de entendê-lo.

agora penso em ferreira gullar. no dia em que clarice morreu, ele estava dentro de um táxi e olhou as árvores. elas continuavam ali existindo. clarice morreu, pensou o sujeito de “poema sujo”, e a natureza no rio de janeiro nem assim parava de ser.

não é a primeira vez que escrevo sobre isso, nem a última.

nem é meu objetivo destrinchar o anti-amor, essa coisa tóxica que implantaram em mim quando deus decidiu: vai nascer ariana, na hora do almoço, num dia quente, com ascendente e lua em leão. e vai ter vênus em touro. e vai gostar de samba. mas vai também gostar de muita porcaria.

nem só de finesse é feito o ser humano.

a famigerada “vitoriosa de porra nenhuma”, então, segurava o choro e o tchan. a vontade de fuder e de mandar se fuder.

mas a mulher que ama fica vulnerável, como qualquer ser amante. exceto os de emoções frívolas/descartáveis.

e alguma coisa naquele dia queria me dizer, me avisar; o sorriso ameno do garçom, a desfaçatez com a qual o barman preparou aquele drink chocho (descobri agorinha que chocho é com ch, que loucura); o céu cinza do rio de janeiro, a vida latente e latindo, me indicando que eu queria (muito) que fosse o caminho, mas não era.

doutra vez eu já havia me humilhado por um beijo de despedida. e foi um beijo morno, sem qualquer adjetivo positivo.

ele botou as mãos na boca como quem faz uma oração, um namastê depois do om.

fala logo.

não falou. até hoje não falou.

não vai falar antes e eu vou falar.

meu bem, que dor, mas esse é o nosso fim porque esse amor não vale uma vírgula do meu português impecável. embora eu queira dar todas elas, todas, de bandeja com um cobre jarras de tule e pedraria. cafona como eu.

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