o uber tinha 5 estrelas mas não respondeu o meu bom dia

Débora Lopes
3 min readJan 25, 2020

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apesar de todos os esforços rotineiros, tem muito cabelo no chão do meu banheiro, mesmo limpando duas ou três vezes por semana. coisas que não só tiram a minha paz como me tiram facilmente do sério, que me fazem olhar pro teto e sentir raiva. tem também terra na minha escrivaninha. eventualmente finco o incenso num vaso de terra com plantas que morreram há meses e o vento se encarrega de ser um corno e espalhar terra entre os meus bastões de selenita, minha pirita e um outro cristal que agora não lembro o nome.

meus mais de 20 dias sem fumar são uma farsa. porque toda vez que me imagino tendo qualquer prazer ridículo de ínfimo de pequeno e minúsculo, um prazerzinho qualquer, é sempre junto de um cigarro. queria ouvir esse som numa piscina fumando um cigarro. tá uma chuvinha boa. queria tomar um café lá fora fumando um cigarro.

depois de gozar, sinto falta dele.

hoje foi o primeiro dia que eu realmente pensei que não, não sou forte, eu sou viciada mesmo, foda-se, eu adoro fumar, eu adoro, adoro!!!!!111 mas um muro vem bem na minha frente. meu plano de prolongar a morte é botado em xeque assim, plau, numa raquetada elétrica sem dó no mosquito — o que eu mesma não faria pois tenho muita pena de bicho. eu não mato mosquito. eu tenho culpa cristã. lots of. tenho pena de gente também. tem gente que só de eu olhar, eu sinto pena. de cavalo também. tive uma fase em que via qualquer cavalo e caía automaticamente no choro.

quando me flagro admitindo a fraqueza deliciosa e tenebrosa de gostar de fumar, eu, débora lopes, logo vejo o muro, me lembrando de todos os benefícios ainda invisíveis de ser uma mulher que não fuma, apontando o dedo na minha cara. estou, então, diariamente lidando com a enorme vontade de responder um redondo, chubby, gostoso e sonoro É? FODA-SE quando alguém fala que meu cabelo vai melhorar, que minha pele vai melhorar, nossa, eu vou ver, meu fôlego vai melhorar, logo eu vou perceber.

hoje não me enganei. botei meu adesivo de nicotina na barriga, que agora tá queimando, e esse é sempre um momento horrível, e pensei: foda-se, vou fumar. ei, vocês que sabem quem são, eu vou decepcionar vocês. eu peguei o isqueiro de acender meus incensos, botei no bolso do jeans e tive a certeza. hoje eu vou fumar. eu vou chegar no trabalho, ler emails, ir no leleko, comprar um maço de lucky strike, voltar para o trampo, pegar um café, meter três colherinhas de açúcar, sentar lá fora e acender um cigarro.

mas não sei se vou me sentir feliz.

talvez a montanha-russa emocional seja um reflexo do obscurantismo contemporâneo. sinto que existe algo no mundo que está se tornando um monstro, um bagulho incontrolável, enorme, tipo aqueles robôs japoneses gigantes do jaspion, dos power rangers — exemplo pra quem nasceu nos anos 90 — , e você lá, pequenininha, metida numa fantasia tosca de heroína falida tentando combater o mal ou o que o valha dando uns socos bosta no ar. não sei se é o fascismo, o brasil de bolsonaro, a ascensão da direita sendo mais burra do que podíamos imaginar, mas também tão esperta — ainda que medíocre, muito medíocre — não sei o que é. mas é similar ao fato de estar pelada e louca de lsd num sonho e ainda precisar fugir de um dog gigante querendo morder sua bunda malvadamente. gera um incômodo, uma coisa. quero destrinchar aos poucos essa história. ou a minha percepção dela, que provavelmente começou quando eu, aos 10 anos, pedi para fazer aula de guitarra e minha mãe, sem grana, me levou num curso de crochê gratuito para senhoras 60+. e eu fui.

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Débora Lopes
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