permissão pra ser materialista

Débora Lopes
2 min readMar 13, 2023

--

às vezes gugo o endereço do meu apartamento antigo e sempre que vejo a foto do prédio me dá vontade de chorar. eu fui tão, tão feliz lá. certa vez me contaram que depois, quando o tempo passa, a gente romantiza tudo e tende a ver só o lado bom das coisas que foram embora. mas eu me lembro do meu primeiro dia lá, usando luvas de borracha amarelas pra limpar a imundície dos locatários anteriores. chamei um casal de amigos que até hoje são meus parceiraços de vida (muita gente vai embora, mas esses dois ficaram — se lerem esse texto algum dia, saibam que amo vocês) pra ajudar na limpeza. e depois que acabamos, sentamos em cima das caixas de papelão e ficamos falando sobre a vida. jovens cheios de sonho e colágeno na cara.

eu fiz tantas merdas, loucuras e festas naquele apartamento. e também me recolhi tanto. ficava olhando as árvores do jardim e colocando comida pros passarinhos no parapeito da varanda. lembro de chegar de férias depois de um mês fora e olhar minhas plantinhas, meu sofá, meu tapete, tudo que construí com o meu próprio dinheiro, com o meu próprio suor, sem ajuda de ninguém. como eu amava cada canto daquele lugar.

poucas coisas na vida são tão mágicas quanto o que é nosso. nosso universo. nosso mundinho. interno. intocável.

depois eu tive de sair de lá e passei dias e semanas me remoendo. "meu apartamento, meu apartamento". até hoje fico nessas, mas preciso superar, ir além da metafísica. será que sou materialista? uma pessoa apegada ao seu apartamento alugado não pode ser materialista. ainda mais eu, um subproduto do capitalismo, sempre nadando de braçadas largas contra esse mar que me conduz ao ódio e ao trabalho.

tudo difícil. hoje, tudo difícil.

--

--