sem terraplanismo, só amor

Débora Lopes
3 min readAug 20, 2020

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foto: reprodução/camdencharter

estou com pressa. mas antes de ir embora preciso dizer que sonhei com uma mulher grávida de trigêmeos apontando um revólver pra mim. ela estava de novo em cima de um cavalo branco e gritava BECAUSE, BECAUSE, BECAUSE.

acho que no sonho eu estava drogada, pois meus movimentos estavam mais lentos que o software do spotify carregando quando se tem uma sede urgente de ouvir aquela música e ali, naquele app, machina, naquela coisa, aquele aparato virtual construído por minions com a face de steven jobs, o homem-maçã, jaz pura e simplesmente um sinal de carregando, carregando.

os sinais sempre querem dizer alguma coisa.

o sinal de carregando me diz que não irei ouvir a música que quero tão já.

você desviando o olhar me diz que não, que não quer.

você quer?

você me quer?

eu gritaria para toda a minha rua que eu te quero.

antes de ir embora, pois estou com pressa, tenho que confessar que te quero de um jeito que não tem nome, e é novo — apesar de um dia eu ter dito que depois dos 30 a gente nem sente tanto as coisas quanto antes, eu menti, saiba uma coisa sobre mim: eu minto para me convencer das inverdades que invento. eu te quero como o jorge vercillo quer alguém naquela letra que ele mistura o amor com alguma coisa que o homem-aranha fez.

e eu podia querer outras coisas, como

fazer uma segunda faculdade;
me mudar para paris;
criar um santuário animal;
visitar o leste europeu;
conhecer ushuaia;
voto de pobreza;
aprender a dirigir;
ter uma profissão nobre;
ver todos os filmes do bergman;
uma calça da gang por R$ 200;
adquirir a linha completa de panelas le creuset;
vender meus instrumentos que não valem muito, vender tudo que eu tiver, meu cabelo virgem, meu ás de copas, meus casacos de brechó, vender tudo que é possível vender.

mas, muito honestamente, posso te falar, enquanto bebo o último gole de café dessa xícara e tento chupar os últimos cristais de açúcar do fundo — pois sei que para você é um crime, mas tomo café com açúcar na maioria dos dias — que eu te quero muito e quero pra caralho e estou disposta a todas as dores do mundo para saber se a gente vinga ou se ainda quebro a cara, se você não desiste amanhã de manhã, faz as tuas malas e me deixa aqui à míngua, como uma vaca desabrigada no pasto dormindo ao relento, isso se ainda não levar contigo a pintura de uma indígena de cabelo comprido ao lado de uma onça que você me deu de aniversário enquanto me beijava a boca e eu chorava de emoção pois era pandemia e quarentena e eu estava longe de tanta coisa e, naquele minuto, tudo que eu tinha no mundo era você e aquele quadro

e eu era muito, muito feliz.

se você for, por favor, não leve o quadro.

os sinais sempre querem dizer alguma coisa.

num ímpeto de falsa coragem — pois minha vida é toda feita de temores que driblo como diabos da tasmânia num campo de futebol sem fim enquanto continuo indo em direção ao gol com a bola nos pés, eu não desisto — gritei para a mulher grávida de trigêmeos que apareceu no meu sonho: O QUE VOCÊ QUER? O QUE VOCÊ QUER DE MIM?

ao que ela, com gotas de suor na testa, respondeu sorridente enquanto paria os trigêmeos, que, na verdade, eram ursos pandas: BECAUSE THE SKY IS BLUE IT MAKES ME CRY.

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