sim, al green

muito bonita a noite, quente também, então ele levanta e abre a janela. viramos um de frente pro outro e percebo que vejo a lua. se eu fosse uma mulher romântica, diria que estou vendo a lua enquanto ele adormece comigo fazendo cafuné naquele cabelo que tá crescendo igual mato. mas não sou romântica. o mundo matou meu romantismo. sim, al green, você está cantando pra mim enquanto uso meu robe rosa de gatinhos e finjo que apresento um talk show na varanda. o tema desta noite é: não somos românticxs, e agora? sim, al green está cantando pra mim e hoje não dá pra ver a lua. só pensamos e respiramos coronavairus, estamos monotemáticos como no começo de um namoro. todos nós. estamos muito loucos. tempos muito loucos. biroliro alucicrazy contaminou o universo. nazaré lisérgica descendo da lotação. no primeiro dia do coronavairus meu nariz escorreu, então me deitei na cama com o termômetro metido nas sobacas pronta para me dar uma péssima notícia. eu me preparei. me deitei como se estivesse batendo as botas, mas não era nada, talvez somente minha pressão, que é igual de criança, dizem os médicos. “sua pressão é igual a pressão de uma pessoa que acabou de acordar”, disse uma vez a enfermeira. doutra vez foi: “você se alimentou antes de vir pra cá?”
certa vez eu estava fazendo uma pauta num necrotério e elogiei a madeira de um dos caixões que estavam “de mostruário” no escritório. o homem muito naturalmente perguntou: “você gostaria de experimentar este caixão?”. e eu respondi: “gostaria”. pois quando ele começou a mexer no molho de chaves eu achei que estava indo longe demais e disse que mudei de opinião.
hoje justifiquei uma situação estranha com a frase “não foi assim que sonhei” e até agora sinto um amargor aqui, um horrorzinho de admitir que “sonhei” com essas coisas que pessoas normcore sonham. será que sonhei? será que por trás desta franjudinha jaz uma loira odonto? pior que ter sonhado foi ter admitido para alguém sem querer. deslize total. pânico de confessar minhas entranhas verbalmente.
eu quis ser comum. eu tentei. mas não era eu, debobrinha. me inventei um apelido que mistura meu nome com um dos meus legumes favoritos.
gosto de jogar jogos da mente. em que cor eu tô pensando? eu sempre penso em cores. eu tenho um olho menor que o outro. faço uma selfie e refaço porque um olho saiu menor que o outro meu deus do céu. todo dia isso.
vamos beijar de língua até dormir pois o mundo está muito louco.
sim, al green ainda está aqui cantando pra mim. será que al green é vivo? vou gugar. ou talvez dormir pensando nisso e só gugar amanhã. não sei se aguento. preciso conviver com a dúvida. já convivo com tantas.