é longa, mas não é perpétua

eu estava apática, sem sal, esparramada no sofá assistindo As Loucuras Mais Loucas da TV. e, sem querer, me encontrava nas alucinações íntimas, patológicas até, daquelas mulheres. uma delas era loira e muito magra. tomava mais de cem cápsulas de laxante por dia. eu me via ali, não tomando os laxantes (meu c* nem aguentaria), eu sempre desgostei de magreza excessiva. mas eu me via ali, naquele vazio daquela mulher que, olha que loucura, buscou respostas em comprimidos que a fizessem cagar. não estou desmerecendo que seja uma doença, pelo contrário, mas digo, pelo amor de deus, gente, o mundo nos adoeceu. o mundo acabou com a nossa beleza, com os nossos narizes, com a cor natural dos nossos sovacos e virilhas. de repente, ficamos vazias de nós. ser mulher é de uma dor muito além da física.
e depois vi uma mulher que ficou quatro anos esperando seu namorado sair da cadeia. no dia em que ele sairia, ela arrumou a cama com um conjunto de lençóis cinza-chumbo, me perdoem, estou com preguiça de entender se a cor entra aqui no plural e qual é o plural correto. e enquanto ela arrumava a cama, botando cada ladinho do lençol com elástico, que só quem arruma uma cama sabe o trabalho que dá, bota de um lado, solta de outro, haja paciência, e, enquanto ela arrumava a cama com amor, ela meio que chorava. "comprei esses lençóis há exatamente um ano. e queria colocá-los na cama pela primeira vez no dia que ele saísse da prisão. pra ele se sentir em casa, pra ele se sentir acolhido", dizia. e, segurando uma xícara de café, atônita no sofá, acachapada de tanta realidade doída, eu me via naquilo também, naquela tristeza que era um pouco de felicidade.
mas a felicidade ficou triste quando, no fim do programa, enquanto as imagens a mostravam reencontrando o sujeito, ela dizia: "desde criança a minha mãe diz que eu precisaria ser pedida em casamento com um anel de noivado de diamante de um quilate, então, eu espero que assim que a gente chegar em casa ele me peça em casamento com uma aliança de diamante de um quilate". e, vendo aquilo, eu fiquei triste, triste de ver aquela menina, que esperou quatro anos pelo cara, e o cara tava todo fodido, falando em arrumar um emprego, que seria difícil arrumar um trampo, e ela querendo um anel de diamante, minha filha, mas também tem o papo da mãe, do mundo, e de tudo que faz a gente pensar, o anel, eles, o lençol.
eu só descobri o significado da expressão "lili vai cantar" no dia que o lula seria solto.
eu ando tão cansada.
